terça-feira, 13 de setembro de 2011

Problemas no Edital Catarinense de Cinema

O Prêmio Cinemateca é a principal esperança para cineastas locais financiarem seus filmes, visto que o proponente deve ser pessoa física e residir em Santa Catarina. Na edição 2010, lançada em Abril de 2011, há quatro categorias e a verba totaliza R$ 1,9 milhão.

Acredito que favorecimento político e corrupção não sejam problemas neste edital, e que os envolvidos tanto em sua concepção quanto execução são pessoas honestas. O problema são os sérios equívocos na documentação do edital e a invalidação de projetos legítimos devido à rigidez no processo de habilitação das inscrições, insensível às fragilidades do próprio edital.

O Prêmio se apresenta como um conjunto independente de documentos específicos a cada categoria, mas os editais parecem ser fruto da conversão pouco cuidadosa de um único documento. Isto fica evidente diante dos casos de omissão e troca de informações entre os editais. Por exemplo, o edital de Pesquisa e Desenvolvimento de Projeto de Longa-metragem apresenta uma listagem equivocada dos itens que compreendem o trabalho a ser entregue: a informação pertence a outras categorias.

Outro exemplo: o Edital de Vídeo não faz nenhuma referência direta a documentários, além de exigir uma estrutura típica aos projetos de ficção e se referir à animação. É necessário inferir que documentários podem ser realizados (e dentro de possibilidades diferentes de duração) somente a partir de outro documento, o do edital de Curta-Metragem.

Há também informações importantes que não constam em nenhum documento, como a do projeto gráfico. Na primeira vez que participei do edital, em minha ingenuidade, fiquei com receio de usar qualquer recurso que pudesse ser interpretado como um sinal secreto da minha identidade. Afinal, de acordo com o edital, o projeto não pode "conter quaisquer informações ou detalhes que identifiquem o proponente ou qualquer integrante da equipe". Porém, ao ter acesso aos projetos ganhadores, vi que contavam com projetos gráficos elaborados, altamente personalizados. Permitir isto, sem destacar a possibilidade, coloca candidatos em séria desvantagem.

Muitos projetos não passam da chamada fase de "habilitação" por problemas na inscrição. Há o caso de projetos recusados apenas por que usaram a ficha errada. As fichas pedem exatamente as mesmas informações (nome, título, endereço, CPF, e-mail) na mesma ordem. Por que existe uma ficha para cada categoria é um mistério. A única diferença é que onde numa está escrito "vídeo", na outra está "curta-metragem". Como o título da categoria não é um campo para preencher ou assinalar, mas algo que já vem impresso na ficha, o erro passa facilmente despercebido. Foi o caso do meu projeto, Dona Joaquina, concebido originalmente para este edital mas barrado de participar. O mesmo projeto foi contemplado recentemente no edital do Funcine, o que atesta a sua seriedade.

Um projeto não foi habilitado porque a autora escreveu "Edital da Cinemateca Catarinense" onde deveria escrever "Edital Catarinense de Cinema 2010" – forma esta que não aparece na página oficial dos próprios editais. O erro na capa não pode ser atribuído à desatenção ou desleixo da proponente, mas à sua insegurança diante da documentação do edital, cujos erros de redação minam sua credibilidade. Ela preferiu elaborar uma capa que contava inclusive com identificações adicionais, como "Prêmio Cinemateca Catarinense" e "Fundação Catarinense de Cultura", os títulos mais recorrentes no material do edital. A organização não aceitou o pedido para entregar as capas corrigidas, algo questionável para um edital que, para muitos, parece não saber direito como ele próprio se chama e nem em que ano está.

Acerca dos e-mails sobre problemas de habilitação, algumas pessoas receberam notificações e outras não. Entre as que receberam, soube de duas as quais o e-mail mencionava um projeto que não era da pessoa. Outro amigo foi três vezes ao CIC, frustrado pela dificuldade de obter informações, e cada vez voltou com um número de telefone diferente. A COA recebe R$50.000 para organizar o edital.

A responsabilidade por alguns equívocos na inscrição deve ser assumida pela organização, diante dos problemas em seu edital. É necessário reconhecer as deficiências internas e realizar um processo de habilitação compatível com elas. No edital da cinemateca, persiste o pior dos mundos: o amadorismo da estrutura e do material do edital aliado a um pedantismo burocrático típico de intransigentes superestruturas. Assim fica difícil fazer cinema aqui...


ADENDO: O resultado do concurso saiu ontem, dia 12 de Setembro: três meses de atraso em relação ao que estava escrito no edital (lembrando que o lançamento deste não saiu nem no ano que deveria, ou seja os esforços para obedecer o prazo da premiação deveriam ser redobrados). Chega de culpar a escassez de recursos ou o governo. A COA e a Cinemateca Catarinense também devem ser responsabilizadas e cobradas.

Na premiação, o atual presidente da Cinemateca Catarinense, Iur Gomez, teve seu projeto contemplado. Ou seja, ele teve que se “auto-cumprimentar”, pois estava na mesa e era responsável por entregar os prêmios. Isto evidentemente gerou algum constrangimento, e a outra autoridade presente se sentiu obigada a explicar que Iur não sabia dos ganhadores. A possibilidade do presidente participar do edital me parece eticamente questionável, mesmo que ele não participe das atribuições do comitê que organiza o processo do edital. Afinal, ele é quem define três dos nomes que compõe o COA.

Penna Filho foi novamente contemplado na categoria Longa Metragem. Teremos outro Doce de Cocô?

Reitero que não acho que haja corrupção ou cartas marcadas. Mas acredito que há um grupo meio fechado de realizadores, já bem estabelecidos no meio cinematográfico local, que acabam se favorecendo indiretamente por afinidade cultural associada às posições que ocupam. Uma questão de forma de pensar, geração, referências, etc.

Por exemplo, se eu fosse montar um edital com colegas da UFSC, que estudaram as mesmas coisas e frequentam os mesmos ambientes, é óbvio que um projeto deste círculo de pessoas teria grandes vantagens considerando a natureza subjetiva desse tipo de processo seletivo. Afinal, há uma grande identificação entre nós em relação a temas, questões estéticas, preocupações, etc. Sinceramente, ao ver a foto e o vídeo dos jurados, fiquei com a sensação de que eles pertencem ao mesmo universo de nomes como Penna Filho e Iur Gomez.

Por isso a questão da composição do júri me parece algo extremamente delicado que precisa ser mais discutido e estudado. Já é muito positivo o júri ser composto por gente de fora e incluir nomes expressivos, como Sílvio Tendler, mas continuo participando do edital sem muita animação ou esperança.

11 comentários:

Anônimo disse...

Tenho medo do termo Doce de Coco! Um péssimo exemplo da produção de nosso estado...

ally_c disse...

Desabafo bem bacana!! Mas detestei a foto do golfinho! =) Triste!

Anônimo disse...

Creio que esses infelizes comentários feitos em relação ao filme Doce de Coco partem de pessoas sem o menor preparo.

Márcia disse...

Concordo com o amigo em relação às críticas quanto ao formato do Edital.Mas é só isso,acho péssimo fazer propaganda contra as produções daqui.

Roberto Salles disse...

Dá pra explicar que universo é esse a que vc se refere??

blah disse...

Roberto, o texto não faz julgamento de valor em relação ao universo.

O foco é a crítica à organização do edital. O adendo a respeito do resultado tampouco visa questioná-lo, é apenas uma reflexão solta sobre a complexidade do trabalho de selecionar o júri.

Vendo comentários de realizadores e pessoas envolvidos com eles, em blogs e na mídia, me assusta a falta de disposição para a auto-crítica. Acredito que isso compromete muito a evolução das produções locais.

Parece haver uma verdadeira paranóia, um impulso de ver qualquer comentário ou princípio de discussão como um ataque ou um insulto a determinado cineasta, que deve ser imediatamente combatido. Criançisse...

Oscar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Oscar disse...

Discordo de um monte de coisas do texto mas você está certo ao se expressar. Faço um adendo ao fato de "de quem é a culpa pelo atraso". Apesar do nome "Edital Cinemateca Catarinense", quem manda e desmanda é o Governo Estadual. São eles que causam 95% dos atrasos. Eles que determinam quando vai ser lançado o edital. Quando fui contemplado eles demoraram vários meses para pagar a 1ª parcela, e só pagaram depois de muita incomodação. E agora, mesmo já tendo feita a prestação de contas temos que ficar lá, incomodando e cobrando para que eles paguem a 2ª parcela. É dose.

abs

Oscar

blah disse...

É o governo que escreve o edital?
O artigo é sobretudo uma crítica ao texto do edital e a questão da habilitação.

Mesmo quando menciono atraso, há uma relação com essas questões, por exemplo na forma confusa que o edital se apresenta, induzindo erros nas inscrições.

Anônimo disse...

Sugiro que quem reclame, participe e faça as coisas acontecerem. A Cinemateca Catarinense é uma associação aberta, qualquer pessoa interessada em cinema pode participar. A omissão somada a reclamação não vão ajudar em nada...
Apesar de estar afastado há anos de Santa Catarina ainda dou meus pitacos on-line, mas estivesse aí estaria na luta com os bravos colegas...

Anônimo disse...

a Cinemateca está em processo de uma nova gestão. o que acha de colocar em prática teus devaneios e trabalhar um pouco? vai que consegue tornar o edital uma perfeição... concordo com a dificuldade do "universo" local em aceitar auto-crítica, espero que vc dê um bom exemplo.